domingo, 4 de maio de 2008

ESTÔMAGO

Este post é uma homenagem a uma grande incentivadora e divulgadora deste blog, que está logo alí em Londres, a quem eu prometo sempre um novo post e nunca cumpro. Aí está, Odila! Obrigado pela divulgação e pelo carinho.

Assisti a "Estômago". Tudo bem que na correria dos dias atuais, o assunto já deve até estar ultrapassado, mas merece o comentário ainda assim.


O filme conta a história de um nordestino que chega a São Paulo para tentar a vida e acaba arrumando um emprego como assistente de cozinheiro de um restaurante, dado o seu talento para a arte de cozinhar. Ao mesmo tempo, acompanhamos também a vida deste personagem após seu ingresso na cadeia, cujo motivo será revelado no final do filme.

Interessante notar como as relações entre os personagens se dão por meio da transferência e retenção de conhecimento. São relações de poder que vão se transformando quando a partir do conhecimento transferido para o outro. É assim quando Raimundo Nonato, o personagem principal, chega a São Paulo e, primeiramente, arruma um trabalho em um boteco pé-sujo e aprende a fazer pastel e coxinha de galinha. Aprende outras receitas, desenvolve outras técnicas culinárias, o boteco vira "point" dos moderninhos e Raimundo é convidado para trabalhar em um restaurante italiano, além de conquistar uma mulher pelo estômago.

Giovanni, o novo chefe, transmite novos conhecimentos a Raimundo, agora em relação a comidas mais elaboradas. Em um dos momentos do filme, quando Raimundo chega em um açougue para conhecer os cortes da carne bovina, e é apresentado ao açougueiro, este pergunta a Giovanni: "Está aprendendo?", ao passo que Giovanni responde: "Estou ensinando. Vamos ver se aprende".

É este aprendizado que vai fazer com que Raimundo Nonato consiga, na cadeia, alguns privilégios fazendo, cada vez mais, uso do poder que vai conquistando progressivamente. Raimundo é aquele que sabe cozinhar; é aquele que alimenta os demais companheiros de cela. Transforma a comida da penitenciária em comida de restaurante de classe. O "dono" da cela se utiliza de Raimundo para preparar um banquete à la "Festa de Babete" para obter prestígio junto ao novo presidiário, nada menos do que um dos maiores mandantes do crime da cidade.

É dessa forma que o filme vai mostrando a transferência e a utilização do conhecimento como forma de conquista de poder, tecendo relações, por vezes amistosas, outras, conflitantes.

Espero que gostem do filme.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

MUDANÇAS

A vida dos outros – É a história de um agente da Stasi, a agência secreta da Alemanha comunista que, em 1984, antes da queda do muro de Berlin, é encarregado de vigiar um casal de artistas a mando do Ministro da Cultura, que está apaixonado pela atriz. Aos poucos, o espião acaba por se envolver na história desse casal e mudando o seu ponto de vista, chegando a protegê-los da ditadura comunista.




A culpa é do Fidel – Uma menina de 9 anos, criada como uma princezinha e cheia de caprichos, vê a sua vida mudar completamente quando seus pais, na França da década de 70, tornam-se comunistas radicais e passam a ajudar as eleições presidenciais de Salvador Allende, no Chile. De repente, seus padrões de vida mudam, sua vida é invadida por um grupo de comunistas e todos os seus conceitos entram em choque com a realidade.




O que haveria em comum entre esses dois ótimos filmes, além do fato deles tratarem, de alguma forma, do comunismo? Ambos falam de transformações. Transformações que acontecem nas pessoas a todo momento, a cada minuto. E é muito bonito quando a sensibilidade de um roteirista e de um diretor consegue captar esse instante, capaz de ocorrer com qualquer um de nós.

Em “A vida dos outros”, o espião acaba se encantando com a vida do dramaturgo e da atriz. Talvez por causa do amor que eles tinham um pelo outro, do carinho ou, ainda, por causa do talento. Aquele homem frio, especialista em interrogatórios e torturas, que deveria garantir o livre curso comunista naquela parte da Alemanha, impedindo qualquer ato de ordem capitalista, aquele homem é tocado pelo amor do casal. A partir deste momento, começa a ser mostrada a luta contra as suas carências, pela vida dentro de um sistema opressivo e pela sua sobrevivência apesar da Stasi.

Por outro lado, há transformações também por parte do dramaturgo. Ele, que escrevia peças de cunho ideológico a favor do comunismo, passa a ajudar o amigo que é contra aquele sistema de governo. Dessa forma, ele colabora com um artigo que será publicado em uma revista de grande circulação na Alemanha Ocidental.

Com “A culpa é do Fidel” também há uma polarização interessante. Como naquelas comédias que tratam do deslocamento no eixo tempo/espaço e, assim, podemos ver um homem das cavernas em plena cidade grande, por exemplo, aqui há o deslocamento tempo/ideológico. O conflito é entre duas gerações. O que já é normalmente conflituoso, como a relação pais e filhos, torna-se maior quando esses pais são comunistas e a filha não.

Mas é possível falar de ideologia tratando-se de uma menina de 9 anos? Talvez não usando esse termo, pois nem ela mesma sabe o que é ideologia, mas é aí que está a riqueza do filme. A partir da concepção de mundo mais objetiva que é a da criança, em que os conceitos, ainda em formação, não possuem a gama de detalhes do pensamento dos adultos, há um confronto com o mundo destes, onde os conceitos já estão, aparentemente, formados. Porém, ao serem questionados, as respostas não satisfazem à criança, demonstrando a enorme subjetividade de significados e de pontos de vista, e explicitando a tenuidade das definições fechadas. Solidariedade, comunismo, capitalismo, aborto, religião.

É neste momento que as relações se tornam mais acirradas e é aí também que as transformações ocorrem nos dois lados. Os pais que já haviam mudado da condição de burgueses para comunistas, encontram-se perdidos em meio às suas ideologias. A capitulação vem com a notícia da morte de Salvador Allende.

Não há em nenhum dos dois filmes uma bandeira a favor ou contra o comunismo. Há o registro de um momento único da transformação do ser humano, passível de ocorrer com qualquer um de nós. Não somos preto ou branco. Somos tudo que está inserido entre essas duas cores, além delas mesmas.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A ARTE DO OFÍCIO (OU O OFÍCIO DA ARTE)


Falar sobre educação no Brasil é assunto que rende e não caberia em um post despretensioso. Que o sistema educacional, principalmente o público, está cada vez pior, isto é fato e pode ser comprovado por diversas pesquisas, resultados de provas ou mesmo somente dando uma passadinha na porta de um colégio mais perto da sua casa. Há um desleixo crescente da parte governamental, que vai desde a favelização do espaço físico das escolas até mesmo a degradação do sistema de ensino, por meio de políticas paternalistas de aprovação automática, como se a nossa sociedade estivesse pronta para absorver tal medida. O que se vê dentro dos colégios públicos é um reflexo do todo. Um reflexo do Brasil. A classe média, perdida em seus anseios, há muito deixou as salas geridas pelo governo e foi baixar nos particulares, que se reinventam, apostando em novas metodologias de ensino, mantendo a elite cada vez mais elitizada e afastada das classes mais baixas. Os pobres, perdidos em mp3 e demais tecnologias (apesar de muitas vezes nem terem o que comer), quando muito, sabem o nome do conjunto musical da moda.

Mas a idéia desse post é falar de prazer. Do imenso prazer de educar. A despeito de qualquer dificuldade, tanto em colégios públicos quanto em particulares, encontrar-se diante de um grupo de alunos ávidos por informação e poder ser o veículo que os conduzirá até ela é realmente algo indescritível. A arte de educar é algo que está acima de qualquer política governamental.

Sim, chamo de arte. Pois há arte até em uma equação matemática bem resolvida. Há o prazer envolvido. Quantas vezes não paramos para pensar que, mesmo não gostando de Quimica, houve uma vez um professor que fez com que nós olhássemos a distinta disciplina com olhares mais ternos? Ou, o que aconteceu com toda a paixão pela Literatura depois que aquele professor entrou na sala e mandou que decorássemos todos os autores parnasianos? O que diferencia um do outro? A arte. Educar é uma arte. É ser militante de uma causa quase perdida. É perceber que é possível fazer diferença. É contribuir para a formação de cidadãos. É ver que o Mundo pode ser melhor e perceber que pertencemos a ele. É sentir orgulho em fazer parte do crescimento das pessoas.

Por isso, digo também educar. Um professor não somente ensina, mas educa. Ajuda a "construir" seres humanos até quando está calado. Aliás, principalmente. O educador deve ser digno de estar sempre sendo servido em uma bandeja de prata como uma iguaria. Deve estar atento. Deve servir de exemplo.

Muitos me acusarão de ser utópico. Talvez seja. Talvez me decepcione. Mas quero acreditar que não. Porque se estão transformando a educação em simples ensino e a arte em mero ofício, isso não é comigo.

O vídeo de hoje é uma homenagem aos educadores. O filme pode ser de ficção, mas ilustra bem esse post. Quem tem alguma lembrança das décadas de 70 e 80, certamente se recordará de "Ao Mestre, com carinho" (To Sir, with love), filme em que Sidney Poitier luta, às vezes literalmente, pela arte de educar. A música é cantada por Lulu que também faz parte do elenco.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

PAROLES PLUS


Pessoal,
Esse vídeo era para ter entrado no post anterior, mas... agora consegui!

A música chama-se "Parole, Parole" e foi composta originalmente em italiano, em 1972. No ano seguinte, foi traduzida e para o francês e cantada por Delida e Alain Delon. O vídeo deve ter sido feito por algum(a) fã do ator. Peço apenas para abstraírem a presença da Celine Dion, por favor.

Espero que gostem!

domingo, 2 de dezembro de 2007

PAROLE, PAROLE, PAROLE

Essa história de escrever em blog demanda tempo, paciência e assunto. É bem verdade que se deixarem, eu sou capaz de escrever por horas. Escrever não é o problema. O problema é o assunto. Admiro muito esses meus amigos que estão aí do lado, nos "Blogs amigos", pois sempre têm, além de assunto, algo interessante. Tenho, de uns tempos para cá, tentado exercitar essa arte. E não é só para escrever, não. Falo pouco também.
Tudo isso por que acho que fala-se muito sobre qualquer coisa. Sempre fui econômico nas palavras porque acho que as pessoas não têm paciência para ouvir coisas corriqueiras. Sempre fui preocupado com isso e acho que da minha boca só devem sair palavras que façam diferença, que tenham importância, que sirvam para alguma coisa.
Um contrasenso, pois sou ator, formado em jornalismo e, para completar, um futuro historiador.
Mas acho que é por aí mesmo. No teatro, aprendi que o texto deve "falar" o essencial; no jornalismo, devemos falar a verdade; na História devemos desvelar o que ainda não foi mostrado, com o cuidado para não exagerar na interpretação e viajar no tema.
Sempre achei também que isso de falar muito e sobre tudo era coisa de mulher. Fico impressionado com a capacidade que elas têm para iniciar um assunto e, pior, continuá-lo. Se começam a falar sobre o tempo (o salvador de todos os constrangimentos de se ficar calado), elas vão para o cabelo e depois para o possível mandato do Presidente Lula (não me pergunte como fazem o link), relacionam com aquela manicure que "tira cutícula como ninguém", até fecharem comentando sobre aquele restaurante novo que abriu na semana passada. Fecharem nada! É porque eu tinha que parar por aqui, mas, com certeza, elas continuam. Não estou querendo com isso que mulher fala demais, como muita gente anda dizendo por aí, mas é fato que elas dominam a arte da retórica.
"Saia justa", "Manhatan Connection", "Programa do Jô", "Sem censura", fala-se muito hoje em dia, mas, muitas vezes, falta assunto.
Prometo ter mais assunto da próxima vez. Abraços!

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

LUIZ FELIPE ALENCASTRO


Ao final da trégua dos Doze Anos (1609-21) reacende as hostilidades hispano-neerlandesas e veda o acesso dos Estados Gerais às mercadorias coloniais ibéricas. É criada, então, a West-Indische Compaingne (WIC) com o intuito de fazer guerra e comércio.

Na estratégia holandesa, os portos comerciais do Atlântico português se apresentavam como alvos conjugados. Assim, em 1624-25, a Holanda ataca a Bahia e realiza o bloqueio naval de Luanda e Benguela. Em 1630, conquistam Pernambuco. Em meio a conflitos entre optar pelo monopólio e a liberdade de comércio, Mauricio de Nassau é escolhido governador da Nova Holanda. Ele acreditava que a liberdade de comércio era uma condição necessária para atrair colonos norte-europeus, a fim de assegurar a posse duradoura dos territórios.

Em 1638 houve um acordo intermediário. A WIC ficava com o monopólio da navegação, do trato negreiro, do pau-brasil, da venda de munições, e deixava o restante do comércio de importação e exportação aberto aos habitantes das Províncias Unidas. Engenhos recomeçam a moer cana, levando a WIC a fisgar o olho no trato africano.

Assim que assumiu, Nassau percebeu a necessidade de escravos para manter em funcionamento os engenhos de cana-de-açúcar. Saído da Holanda, se assenhoreia de uma base colonial portuguesa cujo modo de exploração o induz a varrer o “escrúpulo inútil” de seus patrícios e a incorporar o escravismo no cálculo econômico dos burgueses de Amsterdam.

Admitida a necessidade do tráfico negreiro, Nassau lança-se em direção à África com o intuito de conquistar os mercados negreiros da região. Além de problemas éticos quanto à escravidão, o maior peso para o atraso da empreitada foi a falta de conhecimento no trato de escravos. Escambar negros necessitava da posse de navios adequados, contatos com tratistas nativos e até o conhecimento da língua portuguesa. Em 1637, Nassau lança, do Recife, uma frota para capturar S. Jorge da Mina e resolver o problema da falta de escravos da Nova Holanda. Armado o trato dos viventes, os holandeses guiam-se pela prática negreira luso-brasileira.

Inquieto com o cerco à Nova Holanda, o Conselho dos XIX estimava que o alvo da ofensiva devia ser a Bahia, baluarte anti-holandês. Nassau discordou. Constatando que Pinda e Mina não davam conta do fornecimento de escravos a Pernambuco, Nassau deixa a Bahia de lado e lança seus navios sobre o pólo econômico complementar à Nova Holanda. Sobre o maior mercado atlântico de cativos: Angola. Para justificar-se, Nassau disse que Luanda era o principal mercado de escravos. Sem eles a produção de açúcar era impossível. Além do mais Castela acabaria sendo atingida, pois as minas do Peru ficariam sem valor se Filipe IV não pudesse extrair escravos de Angola para explorá-las.

A captura dos dois pólos da economia de plantações – zonas produtoras escravistas americanas e zonas africanas reprodutoras de escravos – mostrava-se indispensável para o implemento da atividade açucareira.Conquistados os enclaves em ambas as margens do Atlântico, carecia ainda que a WIC se adaptasse à gestão escravista.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

PAIXÕES

Em algum dia da semana passada, fui assistir a "Jogo de cena". Mais uma vez Eduardo Coutinho acerta ao misturar ficção e realidade. Depoimentos de mulhers comuns são, por vezes, interpretados por atrizes como Marília Pera, Fernanda Torres, Andre Beltrão, entre outras. O que é teatro e o que é realidade é o tal jogo de cena do título do filme.

Domingo, dia 18/11, fui assistir à última apresentação de "Apenas o fim do mundo", com a Companhia Brasileira de Teatro. O texto é do francês Jean-Luc Lagarce e mostra a volta do irmão mais velho à casa de sua família para anunciar a morte próxima. O retorno, após longa ausência, acaba exacerbando velhos conflitos e mágoas existentes desde a sua ida.

No exato momento em que escrevo estas primeiras linhas, está sendo apresentado em um desses canais da TV a cabo, o filme "Escola do Riso". Filmado no Japão, "Escola do Riso" é uma adaptação de uma peça de teatro e quase toda a ação se passa entre dois personagens e em somente um cenário. O embate se dá entre um dramaturgo e um censor no Japão pré-segunda guerra. O primeiro tenta a todo custo adaptar a peça com mensagens patrióticas. O segundo tenta, por sua vez, fazer o menor número de alterações.

Mas porque isso agora? Uma vez aprendi que se fosse possível "ver" o mundo em uma peça de teatro era por que eu estaria, verdadeiramente, diante de uma obra teatral. O teatro se propõe universal, assim como a internet. Contraditoriamente, porém, ele é capaz de, apesar da sua universalidade, atingir a cada um de nós individualmente, assim como a internet.

Universal por que mostra o mundo como ele é e como pode ser em qualquer parte dele mesmo, o mundo. Universal por que desmascara, apesar de suas máscaras, personas, personagens, as mesmas máscaras, personas e personagens que encontramos pela vida. Ao mesmo tempo é cruelmente devastador ao atingir de forma particular e individual aquele incauto que saiu de casa apenas para se divertir e comer uma pizza depois da sessão.

Este post inicial tem a finalidade de, além de quebrar o gelo do "primeiro post", fazer uma pretensa homenagem a duas paixões da minha vida: o teatro e o cinema.